quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

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enxaqueca

na cozinha: as flores estampadas sobem pela tábua de passar e aparecem nos panos de prato secando, nos aventais pendurados, nas roupas que escondem o microondas que virou suporte de grampos: em cima dele moram os potes de azeite vazios e cheios e as plantas que estão descansando e esperando a morte. o tanque está coberto pela porta do freezer que suporta outra flor. o fogão está imundo, uma frigideira suja de carne moída mora nele. o bálsamo está magro e alto. na pia, a louça do almoço se reveza, sempre atrasada, ao lado do filtro pequeno do qual não me desfaço nunca com seu filtro recém-trocado e sua estampa floral… ao lado, mora a tábua de cortar e amassar, o rodo para pia, o grill, o escorredor de pratos vazio. na sala: as flores subiram pela parede, roxas, só se movem com o vento quando o telefone toca, um incenso queimando numa mesinha que parece um altar mas é apenas uma mesa: moedas, óculos de aro grosso e preto, velas, um isqueiro branco. uma samambaia enorme e verde e um pouco seca. a cama coberta de um manto manchado. os fios elétricos e do computador à mostra.  a ventoinha do computador. a luz do aparelho de som. os carros na rua. de longe, as luzes tremem. as contas. as unhas. nem as flores descansam.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

tudo está calmo. o cometa finalmente caiu depois de passar muitas vezes por perto e os astrônomos sonharem com sua chegada. nessa noite, tiraram os chapéus e dormiram em cima das barbas, dos astrolábios, dos mapas, e nos mapas os centauros, os gêmeos, os peixes, um a um adormeceram em silêncio enquanto o sol nascia.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

a coruja cantou a noite em cima de uma árvore branca
e a vida recomeçou

domingo, 8 de fevereiro de 2009

(adormeço. sonho com um minotauro de olhos vendados. ele me abraça e me beija os olhos. quando vai embora, não consigo sair do labirinto. é noite. tento ouvir o som de um pássaro, mas o barulho de pessoas conversando não deixa que eu o encontre.)

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

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o espetáculo do amor dos outros. eles caem perto de mim em chamas. com um algodão seco suas feridas. daqui de onde estou não preciso me mover para conhecer: me dizem tudo. andam de olhos opacos. tenho um tipo de dureza dolorida. cansada. meio implorando por dissolver-me. e quando: por bondade serei derrotado. essa tensão se desfará. preciso dessa redenção e a procuro com estupidez. uma sutileza me interromperá a estupidez. uma flor imbecil. e incrivelmente leve. ficarei pasmo e histérico. com fé acredito que sim. nesse momento será preciso lembrar-se de tudo, esse é o nome de deus. serei bondoso com desconhecidos e íntegro até adormecer. me esquecerei porque não se pode lembrar do nome de deus. outro dia me dirá novamente. peço para que não se canse de repetir. não se canse. eu tentarei dizer também. a finalidade das coisas são as coisas. deve haver mais alguma coisa a se dizer. talvez eu tenha encontrado uma flor imbecil e por isso fico nervoso. e quero me lembrar de tudo. o tudo tem esse gosto de pano branco. é preciso não se esquecer.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

ela me lava o cabelo com uma jarra de dentro da fonte. me dá de beber algo doce e licoroso com cheiro de mel e vinho. seca meus olhos com um pano sem cheiro. me dá de comer um grão de romã. diz que estou curado. com o dedo me aponta para onde tenho de ir. e pousa uma pena sobre os lábios.